sábado, dezembro 30, 2006

Tempo




Trecho:

“Eis que já não tinha mais tempo para a vida comum e me sobrava o tempo de minhas esquisitices. Três dias de cama e eu já me via outra vez cercado de demônios. De olhos tortos, peles rotas, dentes afiados e apodrecidos, cabelos ralos cobertos de sebo e um hálito de enxofre em suas bocas. Olhavam-me com certa piedade, como se entristecidos por minha destruição iminente. Meu desaparecer... Um silvo... Silêncio. Ninguém... Ando sem porto seguro. Sem chão, tento não afundar; a água já me cobre os pulmões... Nos olhos, as mesmas lágrimas de sempre, salgadas deste mar de dúvidas. No horizonte do oceano, depois deste espelho d’água, um céu de rosas e laranjas, dançando num fim azul de tarde. Um começo de noite. Um suspiro. Eis ali, adiante, o amanhã. Eterno amanhã. Quem sabe seja este um sorriso no meu rosto. Não posso ver meu reflexo no espelho. Ali, bem à frente do meu nariz, imponente e malandro, põe-se o medo. Ando assim, medroso. Assim, depois de tantos dias de tantas coisas novas, um receio diante deste novo começo. Que é de nada. Começo de mentira, pois que é só o além-horizonte – faz-se a curva do globo e estamos aqui. E, no entanto, é sempre outro lugar, é sempre outro lugar. Ando sem porto seguro... Tento me apoiar e a mão escapa. Caio... Poço sem fundo. Os demônios hoje me deixaram mais à vontade... E sei que me deixarão ainda alguns dias de tranqüilidade... Puxo este ar a inflar meu peito. Deixo-o assim: cheio... Olhos cerrados. Esvazio... Olhos abertos.”

1 Comments:

  • At 2:16 PM, Anonymous Anônimo said…

    Oi Braga! Feliz ano novo! Tudo de bom, muitas alegrias, saúde, amor e paz!!
    Há qto tempo eu não vinha aqui... ta cheio de desenhos legais! Depois eu volto pra ler tudo com calma! Beijos

     

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